segunda-feira, 9 de junho de 2008

A Miséria do Meio Estudantil

Prefácio da Edição Francesa de 1995

O texto a seguir pertence a história da subversão de uma época. Essa época hoje acabou. Esse texto foi concebido num momento em que os estudantes ainda formavam uma camada relativamente favorecida e tinham orgulho disso. A Miséria veio dizer-lhes que os mesquinhos privilégios que o capitalismo desenvolvido ainda lhes podia conceder participavam da reprodução e da extensão da sociedade mercantil dominante, recentemente chegada a idade do espetáculo. As ilusões que os estudantes nutriam sobre si mesmos e sobre o mundo faziam deles o grupo mais propício à propagação de todas as poluições, principalmente ideológicas, culturais e políticas, que trabalhavam no sentido de implementar um sistema de anestesia geral.
A revolução de maio de 1968 explodiu como um trovão no céu azul. Nada havia a defender nem a reivindicar, exceto a demolição da sociedade espetacular mercantil como um todo. Aquele evento assinalou o fim de uma era. Nada mais será como antes.
A contra-ofensiva das classes dominantes, em todas as frente em que eram ameaçadas, obteve inúmeros sucessos. Todas as idéias, todos os pensadores, artistas, organizações, partidos e sindicatos nesse libelo tornaram-se obsoletos ou totalmente inexistentes. Tanto melhor. O mais importante é que esse esfarelamento não é obra de seus inimigos efetivos, e sim resultado do “movimento real que se desenrola sob nosso olhos”. Seu desaparecimento reforçou o sistema de Domínio da mesma forma que a sua existência contribuía para o progresso deste. Fica a impressão de que a classe dominante e o seu Estado atribuíram–se a tarefa de executar algumas das sentenças do movimento de maio de 1968, de modo a salvar o essencial. Foram eles que acabaram com a universidade, e aniquilaram o partido dito comunista e os sindicatos ditos operários. Em todo lugar o espetáculo reina e governa.
Uma das suas últimas vitórias, da qual ele desde já pode se orgulhar, é de Ter, neste final de século, feito do direito ao trabalho, isto é, a escravidão assalariada, a reivindicação social central. Os estudantes, como de hábito, colocaram-se na vanguarda desse movimento. Só que o capital não necessita mais de tantos escravos para servi-lo. Ele continuará a empregar com o máximo de rendimento e a mais vil remuneração aqueles a quem ele fará acreditar que são uns privilegiados, posto que foram escolhidos pelos mestres.
Para os demais, o RMI* e o porrete.
OS patrões e o Estado não podem e nào querem mais pagar. Não passa pela cabeça de ninguém a idéia de que eles possam desaparecer. Os filhos das cidades, esse palestinos do espetáculo triunfante, sabem que nada têm a perder e nem a esperar do mundo com a forma que ele está adquirindo. De imediato, eles se afirmam como os inimigos do Estado, da economia e do regime de salários. Combatem regularmente as forças da ordem, recusam-se a trabalhar e roubam todas as mercadorias de que necessitam. Não foram eles que escolherem sua condição e têm razão em não apreciá-la. Mas aqueles que o colocaram lá sentirão, e já começam a sentir, sua dor.
O estudantes, que não têm direito nem mesmo ao RMI, são a partir de agora deliquentes sob sursis. Além de não terem nenhum futuro dentro do mercado de trabalho, terão perdido – até lá – a maior parte dos direitos que seus pais e avós tinham arrancado do Capital. Até meio século atrás, quase todos podiam tronar-se pequenos, médios ou altos executivos. Hoje, eles devem aceitar salários inferiores ao Salário Mínimo. Sem se dar conta, eles se encontram atualmente mais próximos das lixeiras da sociedade dos que dos cumes da sua antiga hierarquia. Eles devem simplesmente tomar consciência disso.
A inversão da perspectiva não pode, de maneira nenhuma, passar pelas soluções que já foram, há muito, previstas pelo próprio sistema: “a integração”, o “trabalho para todos”, “a reforma da educação” e outros garantias da seguridade social. A potência do espetáculo atual reside no fato de que ele governa não apenas o mundo que ele produz, mas também os sonhos que suas vitimas criam para escapar de seu reinado. Esse sonhos de hoje não passam, na realidade, dos pesadelos de amanhã. Pouco importa. O meio estudantil continua sendo seu maior alimentador. Os estudantes têm muita a aprender, com toda certeza, não com os professores, mas com os “marginais das cidades”, cuja lucidez é maior.
Com ou sem estudantes, o sistema dominante continuará a se construir contra todos. Eles podem optar por se tornarem cúmplices de seu próprio infortúnio. Mas devem pelo menos saber que não receberão nenhuma recompensa.

· RMI – Auxílio Desemprego Francês

Texto retirado do livro: SITUACIONISTA – Teoria e Prática da Revolução – Coleção Baderna Ed. Conrad

TRECHOS DOS SITUACIONISTAS (França entre 1967/1968)

"Mas a miséria real da vida cotidiana estudantil encontra a sua compensação imediata, fantástica , naquilo que é o seu ópio principal: a mercadoria cultural. No espetáculo cultural, o estudante reencontra com naturalidade o seu lugar de discípulo respeitoso.”

“A questão será sempre a de preservar seu nível cultural. O estudante se orgulha de comprar, como todo mundo, as reedições em livro de bolso de uma série de textos importante e difíceis que a cultura de massa dissemina num ritmo acelerado (a esse respeito, nunca será demais recomendar a solução, já praticada pelos mais inteligentes, que consiste em roubá-los). Só que ele não sabe ler. Ele contenta em consumi-los com o olhar”